8 de fevereiro de 2017


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Especialistas divergem sobre impactos da reforma de Temer na relação patrão-empregado

 

Diego Junqueira, do R7

Se a falta de trabalho atinge cada vez mais brasileiros, na Justiça do Trabalho o que não falta é serviço. O número de novas ações trabalhistas ingressadas na 1ª instância (varas de trabalho) vem batendo recordes no Brasil desde 2014, ano em que a crise econômica se instalou por aqui. De lá para cá, a fila do desemprego aumentou e a capacidade financeira das empresas caiu. Em razão disso, há mais trabalhadores recorrendo à Justiça por não terem recebido integralmente as verbas rescisórias após uma demissão.

Em 2014, foram 2,3 milhões de novos processos recebidos pelas varas de trabalho, montante 10,9% superior ao registrado no ano anterior, segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho). Em 2015, mais um recorde: 2,6 milhões de novas ações na primeira instância, alta de 12,4%. Para 2016, os números registrados até outubro indicam nova alta, de 5,3%, na comparação com o mesmo período de 2015: 2,34 milhões contra 2,22 milhões.

Decisão em primeira instância leva cerca de 260 dias para sair

No ano passado, os seis principais questionamentos dos trabalhadores na Justiça são reflexos do não pagamento integral das verbas rescisórias durante rompimento de contrato de trabalho. Os direitos mais exigidos são: aviso prévio; multa do artigo 477 da CLT; multa de 40% do FGTS; multa do artigo 467 da CLT; férias proporcionais; e o 13º salário proporcional.

“Boa parte dos empregadores não cumpre a legislação trabalhista e não assegura todos os direitos a seus empregados. Para o desempregado, não resta nenhuma alternativa a não ser recorrer à Justiça”, afirma o professor de direito do trabalho Claudinor Roberto Barbiero, da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas.

Para o advogado Lívio Enescu, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo, é comum no Brasil que as empresas demitam funcionários sem quitar devidamente todos os direitos estabelecidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). “E essa crise econômica evidenciou isso”, diz.

A alta do desemprego é causa direta desse crescimento. No final de 2013, a taxa de desocupação era de 6,2%, o que representava 6 milhões de brasileiros desempregados à procura de serviço. O índice dobrou em três anos, chegando a 12% no final de 2016, ou 12,3 milhões de desocupados. Os dados são da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Dentro dos escritórios

Assim como os órgãos de Justiça, os escritórios de advocacia trabalhista também sentem as mudanças. O advogado Gilberto da Rocha Bento Jr. afirma que seu escritório tem recebido, por mês, ao menos 50 novos interessados em entrar com uma ação trabalhista. Antes da crise econômica, diz, esse número ficava entre 20 e 30.

— É muito normal as empresas tentarem fazer economia não pagando corretamente os direitos de seus funcionários

Segundo Gilberto, cerca de 30% dos casos se referem à terceirização da atividade-fim, “que vem sendo usada pelas empresas para o pagamento de salários abaixo do piso”.

Do outro lado do balcão da Justiça, representantes do empresariado também verificam alta no volume de trabalho. O escritório TozziniFreire Advogados, que atende exclusivamente a empresas, viu o número de novas ações crescer entre 15% e 20%.

“Há empresas muito afetadas negativamente por conta da crise [econômica], e não só tiveram números expressivos de desligamentos como não tiveram condições de pagar as verbas rescisórias”, diz o advogado Alexandre de Almeida Cardoso, sócio do escritório e responsável pela área trabalhista.

Cardoso avalia que a falta de pagamento integral das verbas rescisórias se deve à falta de capacidade financeira das empresas e também “o alto custo de desligamento de funcionários no Brasil”.

— O custo é realmente muito alto. Algumas empresas, que já passavam por dificuldades financeiras sérias, tiveram que encerrar as atividades e aí tiveram uma nova dificuldade [com o pagamento da rescisão].

O desemprego também “estimula a litigiosidade”, diz Cardoso, já que há maior dificuldade para retornar ao mercado de trabalho.

— Se o trabalhador deixa a empresa e rapidamente se recoloca [no mercado], ainda que tenha havido rusga anterior, normalmente cada parte segue sua vida. Mas estando desempregado, isso o leva a pensar de maneira mais intensa em promover uma ação.

Entrando na Justiça

O prazo para entrar com uma ação na Justiça é de dois anos, contados a partir do encerramento do contrato de trabalho.

“Não podemos deixar de considerar que a Justiça do Trabalho não tem custo para o trabalhador. Ele ingressa com uma ação, declara que não tem condição de pagar, até por estar desempregado, então aquela ação não terá custo. Caso o trabalhador perca na Justiça, ele não paga nada, mas a empresa paga”, diz Cardoso.

O advogado Gilberto Bento Jr. ressalta que o trabalhador só deve pleitear “algo que ele foi lesado, e não entrar na Justiça com má intenção”.

— Você só não pode exigir o que não seja seu. Tem que entrar com objetivo de receber o que é correto e orientar a empresa a seguir a lei, para que tenhamos uma sociedade melhor.

Uma vez na Justiça, as ações não têm um tempo definido até a decisão final. Segundo o TST, em média, uma decisão em primeira instância sai em 260 dias. Mas o prazo até a decisão final é bem mais longo.

O administrador Marcelo Villela, de 46 anos, está na Justiça desde 2009 contra seu antigo patrão pelo pagamento parcial de salários e não recebimento de verbas do fundo de garantia — 2009 também foi um ano com alta de mais de 10% em novas ações trabalhistas.

A empresa em questão havia entrado com pedido de recuperação judicial um ano antes, em 2008, mas veio a falir pouco tempo depois, após meses em que salários e benefícios foram pagos parcialmente. A companhia hoje está falida e sem bens vinculados. Após decisão favorável aos trabalhadores em primeira instância, o caso está no TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo).

— Não conto com esse dinheiro, apesar de a nossa ação estar correta e dentro dos prazos. Quando saiu o resultado [em primeira instância], a empresa já não tinha nenhum tipo de bem. A Justiça do Trabalho precisa mudar um pouco o conceito no sentido de preservar o elo mais fraco, o trabalhador. Por exemplo, fazendo o aprisionamento dos bens da empresa porque, até sair o resultado, passam anos, então deveria ter uma garantia.

Apesar de não ter perspectiva alguma de ser ressarcido, Villela diz continuar com a ação “por uma questão de justiça”.

— Se ganhar a ação, estarei habilitado na massa falida da empresa, então se tiver algum tipo de bem, talvez eu tenha direito a um pedaço.

Reforma trabalhista

Diante desse cenário, a classe empresarial aguarda com especial atenção o avanço da reforma trabalhista em Brasília, anunciada pelo governo Michel Temer em dezembro — o texto deve ser enviado ao Congresso neste mês de fevereiro como projeto de lei.

Um dos principais esforços do atual governo é a prevalência dos acordos coletivos sobre as regras estabelecidas pela legislação. Se aprovado, será permitida, por exemplo, a negociação entre patrões e empregados para jornada de trabalho além das oito horas diárias, respeitando o limite de 12 horas diárias e 220 horas mensais. Essa jornada de até 12 horas já é cumprida em algumas profissões, que alternam essas 12 horas de trabalho com 36 horas de descanso. Poderá ser permitido também o parcelamento do gozo das férias anuais em até três vezes e o parcelamento da participação nos lucros — limitada hoje em até duas parcelas.

O advogado Alexandre de Almeida Cardoso, sócio da TozziniFreire Advogados, diz que a reforma regulamenta algumas práticas já em vigor no mercado de trabalho. Ele avalia como “grande avanço” a prevalência do negociado sobre o legislado.

— A constituição prevê as prerrogativas de atividade dos sindicatos, mas na prática a gente tem uma série de negociações conduzidas pelos sindicatos sendo invalidadas na Justiça do Trabalho. O sistema atual é bastante rígido e acaba interferindo diretamente na gestão empresarial. Uma reforma vai dar maior flexibilidade e mais segurança jurídica, já que o empregador e o empregado terão noção mais clara do que pode e do que não pode. Isso deve conter também a litigiosidade.

Já Lívio Enescu, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo, discorda. Ele diz que a reforma trabalhista e as possíveis alterações da CLT vão causar uma “desorganização da sociedade brasileira”, já que o custo da mão de obra irá cair, assim como a renda média dos assalariados.

— Tirando os direitos da Constituição, tirando as proteções ao trabalhador, você vai criar um país só de mercado consumidor, com uma mão de obra barata e coisificada, sem a tutela do Estado.

Segundo o professor Claudinor Roberto Barbiero, da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas, “profissionais e sindicatos são contra [a reforma] porque pensam que vai desfavorecer a categoria”.

— Mas a meu ver ela é necessária. Talvez uma flexibilização, pela terceirização ou mudança na jornada de trabalho, algo que pudesse garantir o emprego. Essa é a grande disputa que vamos enfrentar este ano no Congresso.