27 de setembro de 2019


São Paulo (SP), 15/06/2018 - Personagem: Paulo Guedes. Foto: Silvia Zamboni/Valor/Agência O Globo

Alguém bate no seu carro, você identifica e faz o boletim de ocorrência. Mas o carro está registrado em nome de uma empresa, e não do motorista, que é o dono da empresa. Se a empresa não tiver recursos para pagar o conserto, você não vai poder cobrar do motorista.

Situações como essa fazem parte de críticas feitas por auditores da Receita Federal e procuradores do Trabalho a um trecho à chamada Lei da Liberdade Econômica ou da “minirreforma trabalhista”. Segundo eles disseram ao UOL, a nova regra vai facilitar calotes em empresas e ex-funcionários, além de sonegação de impostos e contribuições previdenciárias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

De acordo com o artigo 7º da lei aprovada, os bens de um dono de empresa não poderão ser usados para pagar as dívidas da firma. Isso incluiria débitos com fornecedores, trabalhadores e impostos. Para isso acontecer, seria necessário haver prova de que o dono da empresa teve “o propósito de lesar credores” e atuou “para a prática de atos ilícitos”.

A legislação surgiu a partir de uma medida provisória criada a pedido do Ministério da Economia, chefiado por Paulo Guedes. O governo de Jair Bolsonaro (PSL) tem dito que a regra favorece abertura de novos negócios. Procurada, a assessoria do Ministério da Economia ainda não se manifestou.

Segundo o presidente do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal), Kléber Cabral, a lei estimula “um monte de picaretas” e vai fazer a sonegação de impostos aumentar.

Para o presidente da ANTP (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho), Ângelo Fabiano Costa, a regra favorece o não pagamento de dívidas civis, comerciais e trabalhistas.

“É um retrocesso. Isso acaba por gerar situações… isso blinda mais a pessoa jurídica [empresa] e os sócios da pessoa jurica para efeitos de satisfação de créditos [pagamento de dívidas]

Ângelo Costa, procurador do Trabalho

Entidades avaliam situação e podem ir à Justiça

O Sindifisco analisa a lei para ver se ajuizará uma ação contra ela no STF (Supremo Tribunal Federal). A ANPT está monitorando os efeitos dela em decisões na Justiça para ver se isso será necessário. Eles torcem para que uma interpretação do Judiciário invalide o artigo 7º da lei aprovada.

“Se diminui risco, aumenta sonegação”, diz auditor.

Cabral e Costa dizem que, antes da lei, bastava a atuação irresponsável do empresário para exigir os pagamentos, mesmo sem a intenção de prejudicar as pessoas. O dono do negócio deveria pagar pagar tudo, inclusive com seus bens particulares, como dinheiro em contas bancárias, casas, terrenos, carros, aeronaves e embarcações.

Agora, além disso, os bens particulares só poderão ser usados para pagar dívidas se for comprovada a intenção de prejudicar pessoas ou se for comprovada uma fraude. Haverá um retrocesso em favor de mal-intencionados, avaliam Cabral e Costa.

“Claro que vai ter gente e empresário correto, mas é uma regra que vai permitir que um monte de picareta se beneficie

Kléber Cabral, auditor da Receita Federal .

“Se o cara não pagar, não vai pagar. Ele faz uma falência, não pagar, a empresa vai ser cobrada, não vai ter dinheiro. Isso vai complicar a cobrança. Diminui o risco do inadimplente e do sonegado. Se diminui o risco, aumenta a sonegação. É uma regra que reduz o poder da fiscalização e da cobrança.

” A ANPT vê a regra com preocupação. “De uma forma geral, essas modificações vão dificultar o recebimento do crédito pelos credores, seja de natureza civil, comercial ou trabalhista”, diz Costa.

Apesar disso, para o procurador do Trabalho, essa lei afrouxa regras mas não a ponto de atingir contratos de consumo, regidos pelo Código de Defesa do Consumo. E é com base neles que os membros do Ministério Público esperam que a Justiça faça uma interpretação para considerar tanto consumidores como trabalhadores como partes “vulneráveis” na relação com as empresas.

Aí, avalia Costa, seria possível pagar ao menos as dívidas trabalhistas mesmo que os empresários alegassem que não tiveram a intenção de falir a empresa ou de acabar com todo o patrimônio do negócio.