19 de maio de 2023


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Caso pode ter repercussões nas regras sobre demissão sem justa causa na iniciativa privada. Processo sobre o tema tramita há quase 26 anos

 

Por Fernanda Vivas, TV Globo

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta sexta-feira (19) o julgamento de uma ação que discute a validade de um decreto presidencial que liberou o Brasil, sem o aval do Congresso, da aplicação de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Uma decisão da Corte sobre este caso – que tramita no tribunal há quase 26 anos – pode ter repercussões nas regras de demissão sem justa causa na iniciativa privada.

Pela Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, o empregador fica obrigado a justificar a razão pela qual está demitindo o trabalhador. Diz um trecho da norma:

“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”

A norma prevê ainda uma série de situações que não podem ser usadas como justificativa para o encerramento da relação de emprego. Entre elas:

  • a filiação a um sindicato;
  • a candidatura para o cargo de representante dos trabalhadores;
  • o fato de apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;
  • a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social;
  • a ausência do trabalho durante a licença-maternidade;
  • a ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão.

Além disso, os empregadores não poderão demitir empregados sem que se dê a eles a possibilidade de se defender de acusações, quando o término da relação de trabalho for por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho.

A regra estabelece ainda a possibilidade de, diante de dispensas consideradas arbitrárias, os trabalhadores acionarem o sistema judicial do país para decidir a questão e cobrar indenização.

A Convenção é de 1982, mas foi incorporada à legislação brasileira por um decreto legislativo de setembro de 1992 e um decreto presidencial de abril de 1996.

Meses depois, em dezembro de 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou novo decreto, desta vez definindo que não seria necessário aplicar a Convenção – fez a chamada “denúncia”, ou seja, uma saída unilateral do acordo.

Em fevereiro de 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) acionou o Supremo contra o decreto presidencial que formalizou a saída do Brasil da Convenção.

Para a Contag, o presidente não poderia tomar a decisão de deixar de cumprir o tratado sem que houvesse um aval do Congresso Nacional. Isso porque, pela Constituição, o processo de incorporação de uma convenção às leis do país é um rito com a participação tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo.

Este processo de incorporação é o que viabiliza que tratados internacionais passem a ter vigor, ou seja, passem a ser obrigatórios no país.

Confira a cronologia da ação no STF:

  • A ação começou a ser julgada em 2003, com o voto do relator, à época o ministro Maurício Corrêa. O ministro Nelson Jobim pediu vista nesta primeira oportunidade.
  • Em 2006, o julgamento foi retomado e interrompido por um novo pedido de vista, desta vez do então ministro Joaquim Barbosa.
  • Em 2009, na terceira análise, foi a vez de a ministra Ellen Gracie suspender a análise por outro pedido de vista.
  • Em 2015, nova suspensão a partir do pedido do então ministro Teori Zavascki.
  • Em 2016, mais uma vez o julgamento foi adiado, desta vez pelo ministro Dias Toffoli.
  • Em 2022, o caso volta à análise em outubro, mas acaba interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
 Posicionamento dos ministros

O relator do caso, o então ministro Maurício Corrêa, votou no sentido de que o decreto que retirou o Brasil da Convenção deve passar pelo aval do Congresso para produzir efeitos. Acompanhou esta posição o ministro Carlos Ayres Britto, no começo do julgamento.

Os então ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, além da ministra Rosa Weber, concluem que o decreto que retirou o Brasil da Convenção é inconstitucional. Entendem que as normas que incorporaram o tratado às leis brasileiras continuam em vigor e que, se o presidente da República quiser deixar de aplicá-la no Brasil, precisa da anuência do Congresso Nacional.

O então ministro Teori Zavascki considerou que a saída unilateral de tratados internacionais demanda um aval do Congresso para que suas regras não tenham mais efeitos no país.

Para garantir a segurança jurídica, Zavascki votou no sentido de que a decisão teria efeito para o futuro, mantendo a eficácia das retiradas unilaterais realizadas antes disso – inclusive da Convenção da OIT. O ministro Dias Toffoli seguiu a mesma linha.

O então ministro Nelson Jobim votou no sentido de rejeitar a ação, porque considerou que é constitucional a denúncia unilateral, mesmo sem o aval do Congresso.

O julgamento ocorrerá no plenário virtual, formato de deliberação em que os ministros apresentam seus votos em uma página da Corte na internet, sem a necessidade de sessão presencial ou por videoconferência. A deliberação está prevista para se encerrar às 23h59 do dia 26 de maio – se não houver novo pedido de vista ou de destaque.

Na retomada do julgamento, nas primeiras horas desta sexta, o ministro Gilmar Mendes votou na linha das posições dos ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki – de que a retirada do Brasil de tratados depende do aval do Congresso.

Para Gilmar, pela segurança jurídica, este entendimento vai valer para o futuro, preservando as denúncias unilaterais realizadas até então – inclusive a realizada sobre a convenção da OIT. Faltam os votos dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.